segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Imprecisão de lei da internet pode levar a várias interpretações


O debate sobre o projeto de lei que regulamenta a internet continua dividindo a opinião na Câmara de Deputados. O projeto pretende tipificar crimes na internet.
A principal crítica, feita seminário realizado nesta quarta-feira (24) é a de que a redação do projeto é imprecisa. A consequência negativa, apontaram especialistas, será uma multiplicidade indesejável de interpretações judiciais.

Na parte da manhã, 41 deputados assinaram a lista de presença do seminário convocado para tirar dúvidas dos parlamentares a respeito do projeto.
Em vários momentos, porém, o debate aconteceu na presença de menos de cinco deputados. O seminário da tarde foi retomado com apenas três presentes.
A discussão está em dividida entre a impunidade na internet e a possibilidade de criminalizar condutas cotidianas, como desbloqueio de celulares ou transferências de música.
Conhecido por "Lei Azeredo", o projeto lista uma série de novos crimes, todos no meio digital. Entre eles, a difusão de código malicioso (vírus) e o acesso indevido a sistemas informatizados protegidos.
"O projeto tenta escapar da terminologia do meio informático, mas acaba determinando um campo mais amplo que o necessário", argumentou Paulo Rená, pesquisador da UnB (Universidade de Brasília).


Termos como "sistema informatizado" e "expressa restrição de acesso" deveriam estar melhor definidos, defendeu Omar Kaminski, presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Informática.
Kaminski chamou o projeto de lei de "Frankenstein" pela quantidade de ajustes que sofreu ao longo do tempo, o que, segundo ele, tornou a proposta "incongruente e muito aberta".
A proposta tramita há 12 anos no Congresso. Ficou associada a um de seus relatores no Senado, hoje deputado e novamente relator da matéria, Eduardo Azeredo (PSDB-MG).
Foi abordada pelos debatedores a impossibilidade de se fazer alterações significativas no texto. Pelo atual estágio de tramitação, a proposta só pode sofrer cortes, ser rejeitada, aprovada na íntegra ou encostada.


"Temos essa dura missão de apontar erros sem que eles possam ser corrigidos imediatamente", ponderou Kaminski.
Fernando Botelho, ex-desembargador do TJ-MG (Tribunal de Justiça) de Minas Gerais e colaborador da atual redação do projeto, distribuiu um documento que faz a defesa, ponto a ponto, da proposta. Ele nega que o projeto vá criminalizar "condutas consideradas banais e inofensivas".
Excluem-se dos crimes, explica o documento, "atos de baixar música, vídeos, textos etc, desde que não protegidos no seu acesso por 'nome do usuário e senha', por exemplo, deste ou daquele dispositivo para qualquer outro".
Botelho alertou para o perigo de uma lacuna legal. "Retirem o projeto e pensem na amplidão interpretativa, na falta de controle dos direitos fundamentais que o juiz que vai enfrentar. E as condenações que poderão vir sem as delimitações que assegurem o exercício da defesa?"


REGISTRO
Um dos trechos mais controversos do projeto é o que estabecele a obrigatoriedade de guarda dos registros de conexão do usuário por três anos. Esses registros poderiam ser entregues à autoridade investigatória após decisão judicial, segundo o texto.
Para Guilherme Varella, advogado do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), o projeto falha ao estabelecer condições adequadas para a guarda e a entrega desses dados, o que deixa o usuário fragilizado.
"A forma [como será feita a guarda] vai vir em regulamento posterior, que a gente não sabe como vai ser feito. Qual é a garantia de proteção dos dados do usuário? Vai aumentar ou diminuir?", disse Varella.
O representante do Google no debate, Marcel Leonardi, também abordou a guarda dos registros. Leonardi alertou para o fato de que não basta ter os registros de conexão para que se garanta a responsabilização do usuário que cometeu determinado ilícito. Isso porque, por exemplo, a conexão pode ter sido compartilhada (então, não se sabe quem cometeu o ilícito entre os usuários daquela rede).
O seminário desta quarta-feira pode não ter sido o último debate sobre o polêmico projeto --como era esperado. Segundo a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), o texto deverá ser pautado para discussão na Comissão de Defesa do Consumidor da Casa.


Opinião:


1) Existem leis específicas para crimes contra a honra cometidos pela internet?
Não. Ofensas feitas na rede são encaradas pela Justiça brasileira à luz dos mesmos artigos do Código Penal que se referem a comentários feitos em qualquer outro espaço.


2) O fato de a ofensa ter sido feito pela internet pode agravar a pena?
Sim. Um inciso do capítulo do Código Penal sobre crimes contra a honra diz que as penas aumentam em um terço "na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria", como é o caso da internet.


3) Declarações feitas de forma anônima podem redundar em processos?


4) O provedor da conexão é obrigado a fornecer dados de IP do autor da ofensa?


Sob ordem judicial, sim. No entanto, não há nenhuma lei no Brasil que determine um tempo mínimo durante o qual os provedores são obrigados a guardar os dados de conexão de seus usuários.


Internet pode ser agravante para crimes contra a honra


O jornalista Geneton Moraes, da Globo News, publicou no dia 28 de julho, em seu blog, um texto em que relatava um processo que abriu contra um usuário do Twitter.
O advogado Leandro Bissoli, especialista em direito digital, afirma que processos como esse, relacionados a crimes contra a honra praticados pela rede, são cada vez mais comuns. "É o tipo de crime que mais acontece pela internet. A pessoa acha que não vai ser descoberta", diz ele.
Segundo Bissoli, redes sociais e blogs são as origens mais frequentes de processos desse tipo. "Uma situação comum hoje é um colega de trabalho falar mal de outro na rede. O grande perigo é achar que o conteúdo publicado na internet não vai ter repercussão", afirma.
LEGISLAÇÃO
No Brasil, não há leis específicas para crimes contra a honra cometidos pela internet. "Mas o que muda é apenas o meio. Seria possível praticar esses crimes com ou sem a internet. Não precisa de uma legislação específica", explica Bissoli.
Um inciso do Código Penal agrava a pena para crimes contra a honra praticados "na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria". Segundo Bissoli, esse inciso é muito usado como agravante em casos de crimes do tipo pela rede.
Normalmente, a primeira informação que a Justiça busca para iniciar um processo é o endereço de IP do praticante da ofensa.
Sob ordem judicial, os provedores são obrigados a passar as informações sobre o usuário. "Mas há uma lacuna legal quanto ao prazo de guarda dos dados. Hoje em dia, não há nada determinado", diz Bissoli.


PENA DO TJ DO RIO DE JANEIRO
TJ/RJ - Grupo de pais de alunos é condenado a indenizar ex-diretora de colégio por ofensas na internet
Um grupo de pais de alunos e ex-alunos do Colégio da Providência, em Laranjeiras, zona Sul do Rio, foi condenado a indenizar a educadora M.M.G. por danos morais no valor de R$ 18 mil.
Conhecida como "Irmã Margarete", a educadora, que na época era diretora da instituição, soube que um grupo de alunos criou uma comunidade no site de relacionamento Orkut, denominada "Eu odeio a irmã Margarete", onde eram proferidas ofensas verbais e palavras de baixo calão, fazendo-a se sentir humilhada e exposta a situação vexatória.
Segundo os pais, a ex-diretora causava constrangimentos aos alunos, e esse seria o motivo que os teria levado a criarem a "comunidade", para desabafar os anos de repressão. Os pais, defendendo seus filhos, alegaram ainda que os mesmos não possuíam experiência de vida o suficiente, na época do fato, e que apenas queriam "estar na moda".
O desembargador Cléber Ghelfenstein, da 14ª câmara Cível do TJ/RJ, considerou lamentável a situação narrada uma vez que "retrata a fútil mentalidade de alguns jovens de nossa sociedade, desprovidos de uma educação baseada no respeito ao próximo", concluiu o magistrado.


Para o desembargador, a internet é um espaço de liberdade, o que não significa que seja um território sem lei, sendo cada pessoa responsabilizada pelo que publicar.
Além disso, segundo ele, o episódio deixa claro a culpa dos alunos e ex-alunos nas agressões à irmã, não importando se só criaram a "comunidade" ou proferiram xingamentos, pois a intenção foi denegrir a imagem da mesma.
"Com efeito, a indenização por dano moral tem por escopo não só minimizar o sofrimento e a humilhação sofrida pela vítima, mas também, e principalmente, não deixar que se passe impune a infração cometida, funcionando como medida sócio-educativa-punitiva em desfavor dos agentes", ressalta Ghelfenstein.


Fonte: Folha

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